“Dificilmente se poderá conseguir idêntico equilíbrio entre os artistas do teatro, sobretudo, se não for implantado entre nós o teatro de massas, uma vez que este, pela própria indole dos espectadores, tratará sempre de temas coletivos, transplantando para o palco os conflitos da maioria, sem o esquematismo e o psicologismo a que estão obrigados os autores da pequena-burguesia. O nosso teatro precisa, portanto, começar de novo, ou apenas começar, pois partiu do meio para o fim, deixando de margem o povo”. O povo brasileiro nunca foi ao teatro. Nossas casas de espetáculo são, em geral, frequentadas por uma minoria neutra, sem expressão do ponto de vista da sensibilidade, da cultura, e até mesmo dos nossos costumes. Essa circunstancia é que produziu a confusão estabelecida nos debates sobre o assunto, pois, os pesquisadores do fenômeno entenderam de atribui-lo á falta de um público suficientemente preparado para aceitar a renovação de temas e de processos cênicos. (...) Eles se esquecem de que o artista é, ao mesmo tempo, unidade e massa, e que a obra se produz em uma zona neutra de equilibrio, controlada, concomitantemente, pelo criador, o critico, a massa e a individualidade. Nessa zona de equilíbrio, de harmonia, se a obra interessar ás multidões, será uma obra teatral. O povo, portanto, tem razão quando se ausenta, e nega, assim, ao nosso teatro o direito de considerar-se nacional, legitimamente brasileiro, reflexo da nossa indole, dos nossos costumas, da nossa cultura e civilização. Muitos são os fatores determinantes da lamentável situação em que se encontra o nosso teatro, em relação à cultura popular.
O primeiro é a feita de um teatro inicial, ou primário, como o seria o Teatro do Povo. Por esse motivo não se poderá, honestamente, atribuir nenhuma culpa aos autores profissionais, atualmente considerados como sub-literatos, uma vez que estavam mantendo, embora com sacrifício da própria dignidade cultural, o relativo que ainda consegue o nosso teatro despertar no espírito da minoria neutra, a chamada pequena-burguesia, que determina, implacavelmente, o baixo nível artístico ou literário, e o premeditado mau gosto de muitas de suas produções. Essa minoria que frequenta os teatros, e que assim torna possível a sua existência, age por intermédio do empresário industrial, e este, por sua vez, impõe aos autores a má qualidade de suas peças. Caso único representante do público que ainda vai aos teatros, alguns empresários industriais transformaram a arte dramática em negócio, e a produção teatral em mercadoria especialmente destinada aos seus fregueses. (...)
Temos assim o fracasso completo, que abrange os empresários, os velhos autores e os renovadores. Para os empresários, o teatro é um negócio. Para os velhos autores, o “espelho da vida”. E para os renovadores, cenografia, iluminação funambulesca o guarda-roupa. De tudo isso resultou que, hoje em dia, o espectador médio parece superior aos autores o aos artistas, enquanto o espectador erudito procura iludir-se com as falsas renovações, e o espectador-povo ignora completamente a existencia do teatro.
A paixão pelo futebol, em todo o Brasil, indica a disposição do nosso povo para o verdadeiro teatro, o teatro sem literatura, simples, direto, instintivo, que apenas articula acontecimentos reais, ou arbitrários, mas sempre subordinados a preocupação de mostrar a verdade. O espetáculo que se realiza nos campos de futebol é sempre o mesmo, mas exerce cada dia maior influência sobre os espectadores, porque o público está, em cada partida, diante de uma incógnita fundamental: a vitória de um dos grupos ou o desfecho imprevisto que, nos dramas de teatro, é invariavelmente o motivo central do interesse da platéia.
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